À medida que o partido ganha espaço de poder, menos se interessa em promover o trabalho de base
Frei Betto
“Quem diz
organização, diz tendência para a oligarquia. Em cada organização, quer
se trate de um partido, de uma união de ofícios etc., a tendência
aristocrática manifesta-se de forma bastante pronunciada. O mecanismo da
organização, ao mesmo tempo em que dá a esta uma estrutura sólida,
provoca graves modificações na base organizada. Inverte completamente as
respectivas posições dos chefes e das bases. A organização tem como
efeito dividir todo partido ou sindicato numa minoria dirigente e numa
maioria dirigida”.
“Quanto mais o aparelho de uma organização se
complica, isto é, quanto mais vê aumentar o número de seus filiados,
seus recursos crescerem e sua imprensa desenvolver-se, mais terreno
perde o poder diretamente exercido pela base, suplantado pelo crescente
poder das comissões”.
“Teoricamente o chefe não é mais do que um empregado,
submisso às instruções que recebe da base. Sua função consiste em
receber e executar as ordens desta última, do qual ele é apenas um órgão
executivo”.
“Mas, na realidade, à medida que a organização se
desenvolve, o direito de controle reconhecido às bases torna-se cada vez
mais ilusório. Os filiados têm de renunciar à pretensão de dirigir ou
mesmo supervisionar todos os assuntos administrativos”.
“É assim que a esfera do controle democrático se
retrai progressivamente, para, afinal, ficar reduzida a um mínimo
insignificante. Em todos os partidos socialistas, o número de funções
retiradas das assembleias eleitorais e transferidas para os conselhos de
direção aumenta sem cessar. Ergue-se dessa forma um enorme edifício de
complicada estrutura. O princípio da divisão de trabalho impondo-se cada
vez mais, as jurisdições se dividem e subdividem. Forma-se uma
burocracia rigorosamente delimitada e hierarquizada”.
“À medida que o partido moderno evolui para uma forma
de organização mais sólida, vemos acentuar-se a tendência de substituir
os chefes ocasionais pelos chefes profissionais. Toda organização de um
partido, mesmo sendo pouco complexa, exige certo número de pessoas que a
ele se consagrem inteiramente”.
“Pode-se completar essa crítica do sistema
representativo com a seguinte observação política de Proudhon: os
representantes do povo, dizia ele, mal alcançam o poder, já se põem a
consolidar e a reforçar sua força. Incessantemente envolvem suas
posições com novas trincheiras defensivas, até conseguirem libertar-se
completamente do controle popular. É um ciclo natural percorrido por
todo o poder: emanado do povo, acaba por se colocar acima do povo”.
Todos os textos acima não são de minha autoria. Foram
escritos em 1911 pelo sociólogo alemão Robert Michels (1876-1936), de
convicções socialistas, que deu aulas em universidades da Alemanha,
França e Itália.
Esses textos foram publicados no livro Sociologia dos
partidos políticos (Editora Universidade de Brasília, 1982). A última
cátedra de Robert Michels foi na Universidade de Turim, onde ensinou
economia, ciências políticas e sociologia. Decepcionado com a falta de
democracia nos partidos progressistas, faleceu acusado de conivência com
o fascismo.
O que Michels denunciou há 102 anos infelizmente é
praxe ainda hoje. A direção do partido é progressivamente ocupada por um
seleto grupo profissionalizado que, a cada eleição, distribui entre si
as diferentes funções. Os caciques são sempre os mesmos, sem que as
bases tenham condições de influir e renovar os quadros de direção.
À medida que o partido ganha espaço de poder, menos
se interessa em promover o trabalho de base. A mobilização é trocada
pela profissionalização (incluídos aqueles que ocupam cargos eletivos), a
democracia cede lugar à autocracia, a ampliação e preservação dos
espaços de poder tornam-se mais importantes que os princípios
programáticos e ideológicos.
A Igreja Católica, por exemplo, é uma típica
instituição que absorveu a estrutura imperial e vertical do Império
Romano e ainda hoje dela não se livrou. E tenta justificá-la sob o
pretexto de que essa estrutura decorre da vontade divina...
Enquanto tateamos em busca da democracia real, na
qual a vontade do povo não significa mais do que uma retórica
demagógica, temos o consolo de uma invencível aliada dos que criticam a
perpetuação de políticos no poder: a morte. Ela, sim, faz a fila andar,
promove a dança das cadeiras, abre espaço aos novos talentos.
http://www.brasildefato.com.br/node/13067
O problema da sociedade não é o modelo que ela segue, e sim são os próprios cidadãos que nela vivem e estabelecem suas características inversamente à definição de "viver em sociedade".
ResponderExcluirO Brasil é um país populoso porém com poucos cidadãos. Onde pessoas criticam a corrupção, mas a praticam no seu dia a dia, onde criticam a política que favorece uns mas ela mesma não ajuda o próximo....
Um ponto de vista para algumas reflexões.