Rosely Sayão
Não gosto do conceito de bullying e do uso que temos feito dessa palavra. Eu já disse isso e reafirmo em nossa conversa de hoje.
Por que tenho rejeição em relação ao conceito? Porque ele leva o
adulto a se ausentar das questões que os mais novos enfrentam na
convivência com seus iguais.
É como se nada do comportamento manifestado pelas crianças --nos
conflitos, nas provocações, brigas e desavenças, nos apelidos e nas
piadas a respeito de aparência-- tivesse relação com o mundo adulto.
E mais: é como se elas fossem totalmente responsáveis por tudo o que
fazem. De errado, é claro. O conceito nos permite, portanto, ficar de
fora desses problemas. Talvez por isso mesmo faça tanto sucesso entre
nós, adultos.
E o que dizer, então, do uso da palavra? Temos uma especial atração pelo exagero nessa questão.
Uma criança pequena que é mordida pelo colega na escola, um primo que
zomba do outro que perdeu o jogo, a criança que usa óculos e ganha um
apelido por isso... tudo agora é transformado no tal do bullying.
Bem, mas encontrei um bom uso para essa palavra e esse conceito -e é
disso que vou falar hoje. Trata-se do bullying de adultos contra
crianças e adolescentes.
Outro dia ouvi a mãe de uma menina chamá-la de "anta" e dizer que ela só fazia coisas erradas.
Ainda ouvi a garota responder, com cara de choro, que não havia feito
o que fizera por querer... Havia errado tentando acertar. Isso é
bullying, concorda leitor?
Uma criança humilhada por alguém contra quem não pode ou não consegue se defender pode muito bem ser assim entendido.
E nas escolas? Pais de alunos e professores têm praticado o bullying
contra alunos no espaço escolar, sabia? Vou começar pelos pais, dando
alguns exemplos.
A escola tem um vício, entre tantos, que afeta fortemente alguns
alunos. Escolhe "bodes expiatórios" para arcar com quase tudo de errado
que acontece na sala de aula e no espaço escolar.
Muitos alunos conversam, saem da carteira, fazem bagunça, mas a
professora sempre chama a atenção, nominalmente, apenas de um ou dois
dos alunos.
Claro que todos os alunos percebem isso e passam a acreditar que só
aqueles determinados colegas fazem o que não deveriam fazer e, em casa,
reclamam desses colegas aos pais. O que muitos desses pais fazem?
Conversam com outros pais para falar mal dos bodes expiatórios,
procuram a direção da escola, fazem abaixo-assinado, ameaçam cancelar a
matrícula do filho caso esses alunos não saiam da classe ou até mesmo da
escola.
É bullying puro de um grupo de adultos contra uma ou duas crianças.
E os professores? Você não tem ideia, caro leitor, de como alguns
deles são capazes de fazer referências irônicas e depreciativas a
respeito de determinados alunos quando conversam na sala dos
professores, por exemplo.
Os alunos em questão não ficam sabendo do que é dito a seu respeito?
Nem precisa, porque, no relacionamento com os professores, isso será
percebido.
Talvez esteja na hora de fazermos um acordo no mundo adulto: o de só
falarmos do bullying entre os mais novos quando controlarmos nosso
próprio comportamento e pararmos com essa história de humilhar,
depreciar, excluir, intimidar e agredir, velada ou escancaradamente, as
crianças e os adolescentes.
Folha de São Paulo
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