Por Assis Ribeiro
Comentário ao post "Comparando o Tribunal Constitucional Alemão e o STF"
Não adianta setorizar uma problemática que acontece no
mundo. Não se trata apenas da Alemanha ou do Brasil.
Ela é fruto de algo anterior ao que está acontecendo,
trata-se da forma, modelo, paradigma vigente na sociedade mundial, essa
judicialização não é causa, é consequência, portanto, atacar os problema sem
corrigir o que o origina não resolverá absolutamente nada.
Tal modelo, ao priorizar o individual, a liberalidade plena,
garroteia os outros poderes, o legislativo não consegue regulamentar a enormidade
de problemas individuais e menores e fica preso à estas, e o executivo se vê
amarrado em executar projetos que estão sendo questionados por "vizinhos,
parentes, aderentes, etc.
A dificuldade do legislativo de aprovar a reforma fiscal e
política por se encontrar no meio de uma enormidade de conflitos de interesses
individuais termina por se imobilizar e é exatamente o coletivo que se vê
prejudicado com tal inércia. O executivo, por seu lado, não consegue
desenvolver o federalismo por barreiras criadas por setores individualizados da
sociedade, como pode ser observado no caso dos royalties do petróleo, e de
várias outras medidas em que se viu obrigado a "entrar em desgaste"
ao colocar uma enormidade de vetos em projetos de interesse da nação mas que
foram obstaculizados por interesses
setoriais, como o caso do Código Florestal entre outros.
São estas demandas individuais, setorizadas, e que não
conseguem ser resolvidas pela negociação, entendimento, como seria a função do
legislativo e do executivo e é a´aí que "sobra" para o judiciário
impor as soluções.
É a própria sociedade, em seu modelo, que impulsiona o
judiciário a se tornar o mostro que está sendo visto, aqui e em todo o mundo.
Já tive oportunidade de postar aqui no Blog um estudo bem
interessante deste problema:
Judicialização da política: conceito e condições favoráveis
Loiane Prado Verbicaro
A judicialização da política surge em um contexto de maior
inserção quantitativa e qualitativa do Poder Judiciário na arena política -
ampliação da importância e da efetiva participação do Poder Judiciário na vida
social, política e econômica. Tal fenômeno, característico de democracias
consolidadas, decorreu de condicionantes e peculiaridades vivenciadas na ordem
política, econômica e social e gerou conseqüências visíveis na democracia
brasileira.
No sentido constitucional, a judicialização da política
refere-se ao novo estatuto dos direitos fundamentais e à superação do modelo de
separação dos poderes do Estado, o que provoca uma ampliação dos poderes de
intervenção dos tribunais na arena política (MACIEL; KOERNER, 2002, p. 117),
por meio da efetiva participação no processo referente à formulação e/ou
implementação de políticas públicas - a política se judicializa com o objetivo
de promover o encontro da comunidade com o seu sistema de valores
constitucionalmente assegurado.
Com a consolidação desse fenômeno percebe-se certa
aproximação entre o direito e a política, bem como uma mitigação ao conceito de
legitimidade democrática, compreendida como simples representação originária do
povo nas urnas capaz de legitimar a atuação dos poderes políticos constituídos,
ampliando-se tal fundamento democrático para a plena realização dos direitos
fundamentais. Nesse sentido, o político passa a ser, em alguns casos, processado
pelo jurídico a fim de assegurar a respeitabilidade dos direitos fundamentais e
da Constituição.
Esse protagonismo do Poder Judiciário decorre da própria
Carta Constitucional de 1988 que o legitimou a atuar na arena política para a
proteção do extenso rol de direitos fundamentais que passaram a receber
garantia de proteção jurídica. A Constituição brasileira estabelece, assim, os
contornos e limites institucionais de atuação da política democrática e o
Judiciário é poder a quem compete garantir a respeitabilidade a esses núcleos
constitucionais.
Nesse sentido, a atuação do Judiciário na arena política não
é, pois, uma distorção institucional, mas legítima, uma vez que decorre dos
imperativos de garantia dos direitos fundamentais e da própria democracia
presentes na Carta Constitucional de 1988 e representa um reforço à lógica
democrática.
Os autores norte-americanos C. Neal Tate e Torbjörn
Vallinder, ao investigarem a judicialização da política, analisaram os fatores
que impulsionaram a expansão do protagonismo judicial. Segundo eles, a expansão
do Poder Judiciário nas democracias contemporâneas, resultado do
desenvolvimento histórico das instituições democráticas, está associada ao fim
do comunismo no Leste europeu e à conseqüente queda da União Soviética; à
hegemonia dos Estados Unidos da América, que propiciou a difusão do
funcionamento institucional do sistema jurídico norte-americano de revisão
judicial (judicial review). Dessa forma, o modelo de revisão judicial
contemplado nesse país tornou- se o paradigma de controle judicial a ser
seguido por outros países, especialmente, pelas novas democracias. Segundo os
autores, na Europa os direitos humanos tiveram, também, um papel fundamental,
por ter disseminado a judicialização nos mais diversos países da região, sendo
a difusão do poder judicial entendida como um avanço na idéia de limites jurídicos
impostos pelo Estado à sociedade, inclusive ao próprio Estado.
Neal Tate (1995, p. 27-36) analisou as condições necessárias
ou facilitadoras ao surgimento do processo de judicialização da política. São
elas: a institucionalização de uma ordem democrática; a separação dos poderes
do Estado e a independência do Judiciário; a universalização do acesso ao
sistema de justiça; a existência de uma Constituição (política de afirmação de
direitos) que explicite direitos e valores, os quais possam ser invocados em
defesa dos indivíduos e grupos que se sintam lesados pela vontade da maioria; o
uso dos tribunais por grupos minoritários de interesse para a realização de
seus direitos; o uso dos tribunais pela oposição para frear e controlar as
deliberações majoritárias da arena política; a ineficácia das instâncias
majoritárias de formação da vontade política (tal ineficácia materializa-se na
ausência e/ou insuficiência das políticas públicas acertadas na arena política
e na debilidade dos partidos políticos em governar com a maioria do Parlamento,
gerando, com isso, uma espécie de crise de governabilidade e paralisia no
processo decisório, o que culmina, quase sempre, em demandas ao Poder
Judiciário); as instituições majoritárias que delegam, em alguns casos, ao
Poder Judiciário, o custo político de uma decisão polêmica (tratase de um ato
de renúncia à prerrogativa de decidir a fim de evitar o enfrentamento direto
com questões fortemente controversas e de grande magnitude e impacto à
sociedade. Exemplo: os casos de aborto, eutanásia, adoção de crianças por
casais homossexuais, etc.).
No entanto, ressalta-se que esse fenômeno possui
características diversificadas de acordo com as especificidades vivenciadas em
cada país, não possuindo, pois, uma moldura inflexível ou fórmula genérica
capaz de acolher todas as formas possíveis de manifestação da judicialização da
política no interior de uma estrutura una, modular e hermética. Cada país tem
as suas peculiaridades próprias (estrutura institucional, formação histórica,
configuração da Carta Constitucional), não sendo capaz de seguir linear,
simultânea e sincronicamente o modelo de judicialização seguido por outros
países de tradições espaço-temporal distintas.
Nos países anglo-saxões (em virtude da estruturação do sistema
jurídico da Common Law), o ativismo judicial e a judicialização da política
constituem prática corrente e tradicional. Nesse contexto, o Judiciário é
concebido como portador de um considerável poder de criação do direito por meio
dos precedentes, como guardião dos direitos fundamentais e como "ator
consciente das implicações ético-morais de suas funções profissionais e, acima
de tudo, sensível ao seu meio ambiente, onde encontra as bases históricas para
definir e fundamentar seus critérios de interpretação e justiça" (FARIA,
1997).
Já nos países cujo sistema jurídico tem origem no direito
romano-germânico da Civil Law (América Latina e Europa Continental), o papel
atribuído ao Judiciário sempre foi mais restrito. Essa origem
(romano-germânica) gera uma tradição cultural essencialmente caracterizada por
uma tendência à auto-restrição dos juízes, por um mecanicismo interpretativo e
por uma concepção formalista da ciência jurídica. Por isso, fala-se em um juiz
funcionário (burocrata estatal) que realiza, simplesmente, um mecânico processo
de aplicação de normas abstratas, gerais e impessoais a casos concretos, a fim
de garantir a certeza nas relações jurídicas.
Ocorre que há, segundo constata Cappelletti (1999), uma
tendência cada vez maior de convergência do sistema da Common Law com o sistema
da Civil Law, aproximando as tradições da Europa Continental com as da cultura
anglo-saxã, secularmente distanciadas entre si. Tal tendência associa-se ao
crescimento do caráter legislado do direito anglo-saxão; à reformulação da
teoria da separação dos poderes concebida por Montesquieu no sistema da Civil
Law; à aproximação com o modelo de checks and balances dos federalistas
americanos, que concebem os juízes como guardiões dos direitos fundamentais e
não simples operadores das leis e da certeza jurídica - ampliação das funções
judiciais e do papel criativo do Poder Judiciário no direito romano-germânico,
que vêm crescentemente afirmando uma concepção antidogmática de compreensão do
direito.
No contexto brasileiro, grande parte das condições
facilitadoras da judicialização da política pode ser identificada,
especialmente, a partir do processo de redemocratização e
reconstitucionalização do Brasil, após sucessivos períodos de autoritarismo.
Aliado aos fatores globais que contribuem à judicialização da política como
fenômeno empiricamente verificável nas democracias contemporâneas, outros,
decorrentes de condicionamentos e peculiaridades vivenciadas na ordem política,
econômica e social brasileira, bem como transformações sofridas pelo próprio
sistema legal na função jurisdicional, propiciam o surgimento e a consolidação
desse processo de intervenção do Poder Judiciário em assuntos políticos. Entre
as condições propiciadoras e/ou facilitadoras desse processo, destacam-se as
seguintes:
1) A promulgação da Constituição Federal de 1988, que trouxe
mudanças valorativas ao direito. Este fato atribuiu crescente importância aos
princípios constitucionais e consagrou a existência e os fundamentos do Estado
Democrático de Direito, entre os quais destacam-se: a liberdade de expressão, a
liberdade de associação, o pluralismo político, a soberania, a cidadania, a
dignidade da pessoa humana, o sufrágio universal, a erradicação da pobreza e da
marginalização, a redução das desigualdades sociais e regionais, o bem-estar, a
justiça e o reconhecimento de diversos direitos individuais e sociais e
garantias a sua efetiva proteção jurídica por intermédio de novos instrumentos
processuais (como: a ação de inconstitucionalidade por omissão e o mandado de
injunção).
A existência de uma Constituição social, democrática e
compromissária que explicite direitos e valores a serem resguardados pelo
Estado e que possam ser invocados em defesa dos indivíduos e grupos sociais que
se sintam lesados pelo descumprimento de seus direitos é um marco a justificar
um Judiciário capaz de inserir-se na arena política (jurisdicização dos
conflitos sociais e políticos) a fim de proteger os núcleos substanciais do
texto constitucional.
Uma Constituição rica em direitos individuais, sociais e
coletivos e uma prática judiciária que, reiteradamente, nega a efetivação de
tais direitos exige uma instância julgadora capaz de assegurar a Constituição
como norma diretiva fundamental realizadora dos valores substanciais presentes
em seu texto e capaz de garantir o elo conteudístico de união da política
(pública governamental do Estado) ao núcleo político e valorativo do contrato
social expresso na Constituição, que aponta para o resgate das promessas de
igualdade, justiça social e realização dos direitos fundamentais e cujo sentido
só pode ser alterado a partir de uma ruptura institucional.
Professora do Centro Universitário do Pará. Graduada (summa
cum laude). Mestra em Direito. Mestranda em Ciência Política pela Universidade Federal
do Pará. Doutoranda em Direitos Humanos pela Universidade de Salamanca
(Espanha)
Matéria completa em:
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1808-24322008000200003&script=sci_arttext
Nenhum comentário:
Postar um comentário