Ministério do Meio Ambiente reúne várias instâncias do governo para discutir o consumismo infantil
Era uma vez... Reescrever a história da sociedade do século XXI
dentro de um modelo economicamente equilibrado, socialmente mais justo e
ambientalmente correto, tudo isso a partir das crianças. O objetivo
ambicioso está no capítulo final de um projeto que começou com a
publicação da cartilha "Consumismo infantil: na contramão da
sustentabilidade", lançada este mês, e que ganhará corpo, em janeiro,
com a formação de um Grupo de Trabalho Interministerial que se debruçará
sobre o tema. Capitaneado pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA), o
grupo contará, a princípio, com a participação dos ministérios da
Educação e da Saúde e das secretarias de Direitos Humanos e do
Consumidor. A ideia é coordenar ações e trabalhar questões que vão da
obesidade infantil ao descarte de lixo, do compartilhamento de
brinquedos à publicidade infantil.
- A importância do tema é óbvia, mas vem sendo tratada de maneira
isolada pelos ministérios. O da Saúde trabalha no combate à obesidade
infantil, com acordos para redução de sódio nos alimentos, por exemplo; o
MEC trabalha no ensino fundamental educação para alimentação saudável; a
Secretaria de Direitos Humanos, políticas afirmativas pelo bem estar da
criança e contra o uso abusivo da propaganda e por aí vai. O que
queremos com o grupo é trabalhar de maneira estruturada, com integração -
explica Samyra Crespo, secretaria de Articulação Institucional do MMA.
Geração Rio 92 já é mais sensível
Na avaliação de Samyra, o tema sustentabilidade ganhou uma aderência
muito grande nas políticas públicas com a Rio+20. E apesar do desafio
ser enorme, diz ela, é visível o avanço que houve da geração da primeira
conferência do meio ambiente, a Rio 92, pra cá:
- A população adulta, que discutiu esse tema nos bancos escolares,
hoje tem outra sensibilidade em relação às questões ambientais. Mas o
tema ainda é um pouco quebra-cabeça para essas pessoas, que se preocupam
com a natureza, mas como agem dentro de casa? Queremos é aproximar as
realidades e deixar esse cidadão mais íntegro.
Angélica Goulart, secretária nacional de Promoção dos Direitos da
Criança e do Adolescente, destaca que o olhar especial sobre a infância
se dá pela possibilidade que esse período representa de real mudança de
cultura:
- Família, sociedade, governo têm potencial de contribuir para essa
transformação em direção a um mundo melhor. Educação em direitos humanos
é um tripé para alcançar uma sociedade mais sustentável. Como ter
respeito à natureza se não respeito às outras pessoas? É preciso
consumir com a mesma responsabilidade com a qual a gente se relaciona
com as coisas da natureza, os bens e as pessoas. Não podemos permitir a
naturalização da violência entendida como uso inadequado do poder do
mais forte contra o mais fraco, seja físico ou simbólico.
Angélica destaca que as crianças já têm uma sabedoria natural:
- Elas estão muito mais abertas ao mundo, prestam mais atenção e
observam as regras, afinal elas são chamadas o tempo todo a fazê-lo. Se
durante a infância propiciamos uma experiência viva nessa direção,
teremos adultos mais sensíveis, mais respeitosos .
Para Ana Wilheim, diretora executiva do Instituto Akatu - pelo
Consumo Consciente, a formação de um grupo de trabalho sobre "Consumismo
infantil" é de extrema importância:
- No geral, as políticas públicas fragmentam as crianças. É preciso
tratá-las de forma integral com vistas às necessidades que têm e
considerando que elas estão em desenvolvimento. E o consumo tem sido
fonte de uma ansiedade pelo "ter" que nunca se satisfaz e se reflete na
obesidade, em doenças psíquicas. É na escola, na convivência do
coletivo, que se resgata valores como compartilhar, trocar e estimular o
criativo. E a criança acaba contaminando o adulto. A questão é que o
modelo atual não está trazendo felicidade, mas doença.
Juliana Pereira, secretária Nacional do Consumidor (Senacon),
pretende oferecer a esse cidadão engajado em práticas conscientes a
possibilidade de exercê-las, exigindo do mercado as condições para
tanto:
- Todo cidadão está num contexto social. Estamos num momento de
ampliação do acesso, em que é preciso construir consciência desse
consumo e exigir do mercado que ofereça possibilidade para que o
consumidor exerça esse engajamento.
Coordenadora de mobilização do Instituto Alana, Gabriela Vuolo, diz
que a recém-lançada cartilha "Consumismo infantil: na contramão da
sustentabilidade", do qual o instituto é coautor, foi o primeiro passo
na direção do trabalho do grupo interministerial. O texto tem como
objetivo orientar pais e educadores a aplicar conceitos no dia a dia das
crianças que freiem excessos e hábitos poucos saudáveis:
- O consumismo não é um problema de um motivo só. Os pais têm um
papel importante de estabelecer limites e dar exemplos, para não levar
os filhos a uma lógica consumista sem perceber. A publicidade também tem
um papel muito importante nesse contexto. Pesquisas mostram que até 12
anos de idade as crianças não diferenciam a publicidade da programação.
Essa vulnerabilidade tem que ser respeitada.
O impacto da publicidade na vida da criança é o tema de um estudo que
a Senacon está fazendo em parceria com a Unesco, revela Juliana:
- A Senacon tem o compromisso de levar esse debate tecnicamente e há
mais de um ano firmou parceria com a Unesco e passou a realizar uma
análise científica e acadêmica desse impacto, com os maiores
especialistas no tema. Além disso, estamos fazendo pesquisa de campo e
estudo de várias regulações mundo afora. Quando estiver pronto, vamos
abrir a discussão com a sociedade e a indústria será chamada.
Um estudo técnico é justamente o que defende o vice-presidente da
Associação Brasileira de Anunciantes (ABA) Rafael Sampaio, usando como
exemplo o que foi feito na Inglaterra sobre obesidade. Ele concorda que a
publicidade é um dos temas a serem discutidos quando se fala de
consumismo infantil. Mas discorda da forma como esse debate tem sido
feito:
- O que temos hoje é um embate, cada um defende a sua posição. Como a
publicidade é uma coisa fácil de controlar, querem começar a tratar o
problema por ela. Se as soluções não são geradas de maneira coletiva,
não funcionam - diz Sampaio, destacando que o consumismo está no gene
humano - Vivemos 15 mil anos de escassez, o que quer dizer que o acúmulo
era uma questão de sobrevivência. Somos descendentes destes que
conseguiram acumular e sobreviver. A questão do excesso é recente, não
tem um século. Viraram a chave da sociedade da escassez para o excesso e
ela não estava preparada para enfrentar isso. A genética diz que a
felicidade é ter mais. Esse será um processo demorado. É preciso uma
mudança na psique humana.
Luciana Casemiro
O Globo - 25/11/2012
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