O conceito de Maya é
outra das expressões importadas das filosofias hindus e transladadas
diretamente do sânscrito, tendo sido incorporada ao vernáculo de forma
açodada e superficial.
Tal como o conceito de Dharma, Maya comporta uma série de sutilizações de significado e está longe de ser somente “ilusão”, como imaginam alguns desavisados.
Maya é, de fato, o princípio causador da ilusão por via indireta, mas não é a ilusão em si mesma.
O que é ilusório não são as coisas em si mesmas. A ilusão
está em nossa incapacidade de perceber as coisas como são em seu próprio
nível de realidade. Nós as vemos de forma distorcida, de acordo com
nossas limitações sensoriais e nossos condicionamentos. Isso não
significa que as coisas “não existam”, e sim que não podemos percebê-las
como são em si mesmas.
Nossas percepções são coloridas e distorcidas por nossos
sentidos. Esse fenômeno de distorção de nossa percepção objetiva é, sem
dúvida, ilusório. Maya, porém, é mais do que isso. È a propriedade de plasmação de formas, sons, imagens e ritmos que formam o mundo natural.
Maya é o princípio de polaridade feminina, que torna a
Natureza uma artífice de criatividade sem limites. É o próprio poder
criador se manifestando em miríades de imagens, que se modificam em
perpétuo movimento (Krya Shakti).
Lançando mão da metáfora do Shivaísmo hindu, Maya é a dança da Skakti em torno de Shiva, produzindo um movimento contínuo e envolvente, que dá origem a todo o movimento cósmico.
Poderíamos também usar a metáfora egípcia e compreender Maya como os Véus de Ísis, a deusa consorte de Osíris.
Os véus de Ísis simbolizam a roupagem externa da natureza,
que oculta o segredo dos segredos: a essência última que existe no âmago
da realidade e só se pode manifestar através dos “véus” que representam
a face exterior da natureza.
Por um lado Maya é o poder criador da Natureza. Por outro, é a ilusão causada pela mente humana, que percebe essas manifestações, enxergando-as como a mente é, e não como as coisas são em si mesmas.
Não sabemos como as coisas são em si mesmas, porque não
podemos perceber as coisas em si. Tudo o que percebemos (cores, sons,
formas, sensações) são vibrações provenientes dos objetos, captadas por
nossos sentidos e formatadas pelo cérebro de acordo com os efeitos
neurológicos causados por essas imagens. Somos conscientes apenas dessas
imagens e não dos objetos representados por elas. Vivemos em um mundo
de imagens e consideramos reais essas imagens projetadas, a partir de
algumas vibrações que recebemos dos objetos.
Assim, podemos considerar toda a matéria e toda a energia do
universo como o poder exteriorizado (Shakti) de uma consciência. Não da
nossa consciência em particular, mas da consciência suprema da qual
somos uma pequena parcela, um ponto focal.
Por sermos, em nosso ser essencial mais íntimo, partes
integrantes e inseparáveis de uma consciência única, estamos ligados por
elos invisíveis com tudo o que existe, inclusive com a própria matéria.
A matéria é a projeção exterior da consciência única e absoluta, sendo
que essa projeção nos faz sentir enganosamente que estamos separados dos
outros seres e dos objetos. Tudo está contido dentro da consciência.
Maya ou a Shakti é o poder exteriorizado e
manifesto, enquanto Shiva é o centro imanente ou emanador deste poder.
Por essa razão, nas imagens de tantrismo, Shakti é quem dança em torno
de Shiva estático.
Da mesma forma, na teogonia egípcia, é Ísis que dança em
torno de Osíris, balançando suas verdes asas sobre o deus morto e
restituindo a vida ao “grande apático”.
Não caiamos no erro do positivista que, para retrucar o
argumento de um niilista que dizia ser tudo uma ilusão, chutou-lhe a
canela e gritou: “Isso não vai doer! É o chute ilusório de um pé
ilusório numa canela ilusória!”
É claro que algo aconteceu ali. Diferentes coisas interagiram e produziram um resultado.
A ilusão não está no fato em si nem nos aglomerados de
matéria que produziram esses efeitos. Está na maneira com que esses
eventos foram registrados pela consciência dos participantes.
Maya é um atributo criativo do aspecto feminino da
divindade: são os véus de Ísis que nenhum mortal poderia erguer, porque
seria necessário que um homem se elevasse acima de sua condição de mero
mortal, para poder ver e compreender o que existe sob os véus de Ísis.
Por isso, Maya é muito mais do que a ilusão dos
sentidos. É o poder formador e plasmador de todos os cenários e de todos
os aspectos “externalizados” de tudo que existe. É a capacidade
infinita da mente universal de criar imagens caleidoscópicas para o
fluxo da existência. Nossa incapacidade de decodificar essas imagens e
ver sua realidade intrínseca é que faz com que Maya pareça ser para nós a
grande ilusão.
http://www.sociedadeteosofica.org.br/bhagavad/site/livro/cap37.htm
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