domingo, 1 de julho de 2012

Narciso e Goldmund - Hermann Hesse

Escrita em 1930 esta obra de Hermann Hesse trata dos temas recorrentes do escritor: a adequação ao “status quo” e a rebeldia contra os valores estabelecidos, a dicotomia entre opostos. Mais uma vez o autor nos propõe o dilema dos contrários, o choque dos opostos que deve conduzir a uma síntese que englobe ambos num mesmo universo.

Narciso é um monge noviço de inteligência brilhante, racional e contido, e Goldmund um jovem de grande beleza física e profunda inquietações existenciais. Entre os dois opostos desenvolve – se uma amizade que ultrapassa as convenções.

A consciência das diferenças que se estabeleceu entre ambos, longe de afastá – los, aproxima – os ainda mais, na medida que percebem que são complementares.

Narciso e Goldmund talvez seja uma das obras de Hesse em que mais se percebe a influência e a afinidade com a linha de pensamento de Carl Gustav Jung. Os sonhos dos personagens são elementos importantes em todo o livro, a dualidade apolíneo/dionisíaco é o eixo central da narrativa. Percebem – se implícitos na história conceito como inconsciente coletivo, arquétipo e individuação, entre diversos outros comuns na escola junguiana.

Goldmund, com sua inquietação e curiosidade, acaba sendo o personagem que conduz o ritmo da história. Depois de viver um tempo no convento e bebendo da sabedoria de seu amigo Narciso, ele conhece uma jovem, se apaixona e resolve fugir um dia para ir em busca de sua felicidade. Longos são os trajetos que percorre e múltiplas as aventuras que lhes aparecem ao longo do caminho.

Nesta busca encontra um mestre escultor e a consequente descoberta da sua vocação artística marcam uma outra etapa de sua jornada, na qual ele se estabelece – por algum tempo, pelo menos – e desenvolve o seu talento, terminando por executar uma obra prima que impressiona profundamente o seu professor.

Quando as circunstâncias apontam na direção de um sucesso material e uma provável acomodação burguesa, depois de ter sido convidado pelo mestre para ser o seu principal pupilo e sucessor, o anseio de liberdade de Goldmund novamente fala mais alto e ele prefere retornar à vida errante que levava desde a fuga do convento.

Entre as idas e vindas, a lidar com o dilema de se estabelecer e criar raízes ou continuar com a vida de peregrino errante, Goldmund segue se metendo em confusões provocadas pelas suas aventuras. O destino, outro personagem preferido de Hermann Hesse, acaba por fazê – lo reencontrar Narciso, agora já tornado abade. Ambos retornam seus diálogos de profunda sabedoria e riqueza espiritual. Goldmund passa a ser o artista residente do convento, onde se dedica a esculpir suas obras.

Mais uma vez Hesse desdobra a sua complexa riqueza interior em dois personagens fundamentais e opostos, arquétipos de Vishnu e Shiva, a manutenção e a renovação. O caminho para a iluminação (ou realização) não é uma via de mão única, possui muitas estradas e muitas possibilidades.

Os dilemas propostos por Hermann Hesse em toda a sua obra estão aqui mais presentes do que nunca. A rebeldia de Goldmund é a mesma que Sidharta, a mesma que Demian. Seus personagens parecem sempre procurar o mergulho total nas suas dicotomias até fundirem os opostos numa síntese que quase sempre se encontra próxima ao oposto de onde partiram.

O caminho até a síntese, no entanto, sempre está cheio de questionamentos e dúvidas, apegos e abandonos. A espiritualidade de Hesse jamais tendeu para as soluções fáceis e rasas. Ao contrário, as angústias e inquietações são a própria ferramenta de sua investigação, na busca daqueles que trilham na busca pelo novo e não aceitam as fórmulas prontas como receita para a felicidade. Esta é a principal razão da obra de Hermann Hesse ter ecoado tão fundo na alma dos que tomaram parte na revolução de costumes que aconteceu nos anos sessenta. 

Resumo da introdução de Waldemar Falcão ao livro em tela.

Um comentário:

  1. "Naturezas como a sua, com percepções fortes e delicadas, guiadas pela alma, os sonhadores, os poetas, os amantes, são quase sempre superiores a nós, homens de espírito. Sua origem é materna. Vocês vivem plenamente; foram dotados da força do amor, da capacidade de sentir. Ao passo que nós, seres da razão, embora frequentemente pareçamos estar dirigindo e governando vocês, não vivemos plenamente, vivemos numa terra árida. A vocês pertence a plenitude da vida, a seiva das frutas, o jardim do amor, o belo panorama das artes. Seu lar é a terra; o nosso o mundo das ideias. Vocês correm o risco de se afogar no mundo dos sentidos; o nosso risco é de nos sufocarmos no vácuo. Você é um artista; eu, um pensador. Você dorme no regaço materno; eu acordo no deserto."

    ResponderExcluir