Retórica e eufemismos na Economia
Por Assis Ribeiro
Há um grande embate ideológico na atualidade que pode ser observado nos movimentos Occupy Wall Street,nas
manifestações populares na Espanha, nas eleições da França, da Grécia e
em algumas cidades da Inglaterra e da Alemanha. Igualmente podem ser
observados movimentos na América do Sul como os da defesa dos povos
indígenas, estatização da indústria de petróleo na Argentina e das
refinarias na Bolívia, a "desmonopolização" do Grupo Clarín.
Estes movimentos deveriam ser vistos como uma luta contra o paradigma
atual, uma luta do pensamento da esquerda contra o pensamento da
direita, o atual neoliberalismo.
Mas, o pensamento dominante, que forma a chamada sociedade de
“pensamento único”, tem como uma de suas características a intenção de
confundir os caminhos ideológicos, como bem abordou o Post de Nassif “O liberalismo de araque dos nossos mercadistas”.
Eles procuram e conseguem camuflar noções ideológicas diversas como,
por exemplo, o seu mote “crescimento” com o mote de esquerda
“desenvolvimento”. Chegam, inclusive, a afirmar que não existe mais
diferença entre esquerda e direita.
É de extrema importância sabermos diferenciar crescimento econômico
de desenvolvimento econômico, pois é possível uma cidade, região ou
país, crescer sem alcançar um estágio satisfatório de desenvolvimento.
Em síntese, crescimento e desenvolvimento econômico são duas coisas ou
situações distintas.
O crescimento neoliberal aprofunda desigualdades e dificuldades no
acesso à educação, saúde, ou seja, criam precárias condições de vida
para a maioria da população. Pelo neoliberalismo crescimento se refere
exclusivamente ao aumento do PIB, que mede a quantidade de riquezas
produzidas pelo país e não a qualidade de vida da população.
Espanta o grau de mistificação usado pelos formuladores mainstream da
política econômica ao induzir a população a acreditar na solução de
seus problemas a partir de um indicador estatístico. A doutrina
convencional afirma que o crescimento da taxa do PIB (Produto Interno
Bruto) seria o único caminho para o progresso e o bem estar. A realidade
contradiz este discurso otimista dos empresários, do governo e da
academia. Essa avaliação pelo PIB oculta as condições de vida da sua
população.
O desenvolvimento que a esquerda prega é um poliedro do qual o
crescimento da economia é apenas uma das suas múltiplas faces. Um país é
dito desenvolvido quando ele apresenta um bom IDH (índice de
desenvolvimento humano), ou seja, boas condições de saúde, educação,
distribuição de renda, etc.
Um país pode ter um grande crescimento, sem que melhore substancialmente o IDH.
A calamitosa situação econômica e social que caracteriza os pobres
dos países chamados emergentes ou “em desenvolvimento” prova que o
crescimento por si só não melhora a vida da sua população.
Outro paradoxo decorrente da falsa noção de crescimento é que, antes,
os ganhos das corporações transnacionais eram contabilizados pelo
país-sede da empresa, para onde os lucros foram remetidos.
Na contabilidade atual, os lucros são atribuídos ao país da
localização das fabricas, embora não permaneçam lá. Oculta se, assim, um
fato básico: as empresas dos países ricos exploram e expatriam os
recursos dos chamados emergentes.
Essa falsa noção de crescimento como condição de desenvolvimento é
alimentada pela linguagem, conceitos e eufemismos utilizados como armas
pela direita para proteger "os de cima" e são concebidos por jornalistas
e economistas mainstream para maximizar a eficiência do
neoliberalismo em suas políticas brutais em linguagem suave, evasiva e
enganosa a fim de neutralizar a oposição popular; alguns exemplos:
1) O neoliberalismo apropria-se de conceitos e termos, os quais a
esquerda originalmente utilizou para o avanço de melhorias em padrões de
vida, e os utiliza contra a própria esquerda. Dois destes eufemismos,
tomados da esquerda, são "reforma" e "ajustamento estrutural". "Reforma”
referia-se a mudanças que diminuíam desigualdades e aumentavam a
representação popular, promoviam o bem-estar público e a restrição do
abuso de poder por regimes oligárquicos ou plutocráticos. Ao longo das
últimas quatro décadas, contudo, importantes acadêmicos, economistas,
jornalistas e responsáveis da banca internacional subverteram o
significado de "reforma" transformando-o no seu oposto:
agora se refere à eliminação de direitos do trabalho, ao fim da
regulamentação pública do capital e à redução de subsídios públicos que
tornavam a vida do pobre mais acessível. No vocabulário neoliberal "reforma" significa reverter mudanças progressistas e restaurar os privilégios de monopólios privados. Portanto "reforma" agora significa restaurar privilégios, poder e lucro para os ricos.
2) Por outro lado, escritores, jornalistas e acadêmicos de esquerda
utilizam conceitos e linguagem da direita, e o eufemismo mais comum é a
palavra "mercado", a qual é dotada de características e poderes humanos. A realidade do “mercado” de hoje é definida por corporações e bancos multinacionais gigantescos.
Outro eufemismo é "austeridade", utilizado para encobrir os cortes em salários, pensões e bem-estar público. Medidas de "austeridade"
significam políticas para proteger e mesmo aumentar subsídios do Estado
a negócios e negociatas, criar lucros mais altos para o capital e
maiores desigualdades entre os 10% da “casa grande” e os 90% da
“senzala”. "Austeridade" implica autodisciplina,
simplicidade, parcimônia, poupança, responsabilidade, limites em luxos e
gastos supérfluos, no entanto, na prática "austeridade"
descreve políticas que são concebidas pela elite financeira para
implementar reduções no padrão de vida de uma classe específica e em
serviços essenciais (tais como saúde e educação). Significa que fundos
públicos podem ser desviados numa extensão ainda maior para pagar altos
juros aos possuidores de títulos ricos enquanto sujeitam a política
pública aos ditames dos senhores do capital financeiro.
De um modo semelhante, os cortesãos linguísticos da profissão econômica puseram o termo "estrutural", como em "ajustamento estrutural", ao serviço do poder desenfreado do capital.
Mudança "estrutural"
referia-se à redistribuição da terra dos grandes latifundiários para os
destituídos de terra; uma mudança de poder dos plutocratas para as
classes populares. Hoje, contudo, "estrutural"
refere-se às instituições e políticas públicas, as quais tiveram origem
nas lutas do trabalho e da cidadania para proporcionar segurança social,
para proteger o bem-estar, saúde e aposentadoria de trabalhadores. "Mudanças estruturais" são agora o eufemismo para esmagar as instituições públicas.
Outras expressões:
"Disciplina de mercado" – Este eufemismo visa,
sobretudo, à condição de despedirem trabalhadores e intimidar os
empregados remanescentes para maior exploração e excesso de trabalho,
produzindo, portanto, mais lucro por menos pagamento. Ela também cobre a
possibilidade dos neoliberais de elevarem seus lucros cortando os
custos sociais, tais como proteção ambiental e do trabalhador, cobertura
de saúde e pensões.
"Mercado livre" – Um eufemismo que implica
“competição livre, justa e igual em mercados não regulados” encobrindo a
realidade da dominação do mercado por monopólios e oligopólios
dependentes de maciços salvamentos do Estado em tempos de crise. "Livre"
refere-se especificamente à ausência de regulamentações públicas e
intervenção do Estado para defender a segurança dos trabalhadores bem
como a do consumidor e a proteção ambiental. Por outras palavras, "liberdade" mascara a destruição desumana da ordem através do exercício desenfreado do poder econômico. "Mercado livre"
é o eufemismo para o domínio absoluto de neoliberais sobre os direitos e
meios de vida de milhões de cidadãos, na essência uma verdadeira
negação da liberdade.
"Recuperação econômica" – Esta frase significa a
recuperação de lucros pelas grandes corporações. Ela disfarça a ausência
total de recuperação de padrões de vida para as classes trabalhadora e
média, a reversão de benefícios sociais e as perdas econômicas de
detentores de hipotecas, devedores, os desempregados e proprietários de
pequenos negócios em bancarrota. O que é encoberto na expressão "recuperação econômica" é a pauperização em massa que se torna uma condição chave para a recuperação de lucros corporativos.
"Privatização" – O termo descreve a transferência de
empresas públicas, habitualmente aquelas lucrativas, para o setor
privado a preços bem abaixo do seu valor real, levando à perda de
serviços públicos, emprego público estável e custos mais elevados para
os consumidores pois os novos proprietários privados elevam preços e
despedem trabalhadores – tudo em nome de outro eufemismo: "eficiência".
"Eficiência" – Este termo é usado para maquiar as
privatizações. Frequentemente, responsáveis públicos, que estão
alinhados com neoliberais, diminuem os investimentos deliberadamente em
empresas públicas e nomeiam compadres políticos incompetentes como parte
da política clientelista, a fim de degradar serviços e fomentar o
descontentamento público. Isto cria uma opinião pública favorável a
"privatização" da empresa. Por outras palavras, a "privatização" não é
um resultado das ineficiências inerentes das empresas públicas, como os
neoliberais gostam de argumentar, mas um ato político deliberado
destinado ao ganho do capital privado à custa do bem-estar público.
Conclusão
Linguagem, conceitos e eufemismos são
armas importantes usadas pelos senhores do andar "de cima" concebidos
por jornalistas e economistas capitalistas para maximizar a riqueza e a
eficiência do neoliberalismo. Na medida em que críticos progressistas e
de esquerda adotam estes eufemismos e seu quadro de referência, as
críticas e alternativas que propõem são limitadas pela retórica do
sistema.
Releitura do artigo: A política da linguagem e a linguagem da regressão política de James Petras
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