terça-feira, 26 de junho de 2012

Utopia e pragmatismo.

Por Assis Ribeiro
 
Em sentido amplo, a utopia pode ser entendida como tudo o que ainda não foi tentado. A importância da utopia é a de mover segmentos da população que estão insatisfeitos e não comprometidos com a ordem existente, por isso ela é essencial na democracia. A utopia é uma condição “sine qua non” do homem como ser, que deseja, que busca a superação, a transcendência, os sonhos. 

Ao contrário, o pragmatismo tão propalado nesta sociedade pós – moderna comporta imensos riscos. Ser pragmático é, em miúdas palavras, ser prático ou seguir uma praxe estabelecida. Desta forma, ao exercer esse princípio corremos o risco da apatia, da adaptação, ou, se preferirem, do conformismo. Este conformismo está expresso quando concordamos com o que está posto, quando passamos a acreditar que não existem alternativas no jogo político, por exemplo.

Segundo Mannheim: “A desaparição da utopia ocasiona um estado de coisas estático em que o próprio homem se transforma em coisa. Iríamos, então, nos defrontar com o maior paradoxo imaginável, ou seja o do homem que, tendo alcançado o mais alto grau de domínio racional da existência, se vê deixado sem nenhum ideal, tornando-se um mero produto de impulsos. (...) o homem perderia, com o abandono das utopias, a vontade de plasmar a história e, com ela, a capacidade de compreendê-la”
Este “estado de coisas estático” é percebido quando ouvimos as pessoas afirmarem que "não gostam de política", ou quando observamos a cristalização de um conjunto de noções anti-políticas no senso comum. Esta expressão de tendências indica fenômenos bem mais amplos do que a simples "desinformação".

Ao sufocar a utopia e enaltecer o pragmatismo, o mundo pós - moderno estabeleceu mecanismos de reprodução sistêmica e tornou - se autômato, colocando em risco a própria democracia. Este pragmatismo cria sociedades marcadamente burocratizadas com instituições políticas rigorosamente fora de controle social o quê, por seu turno, é fonte propositiva de irregularidades, de desvios, de crimes, e da violência. 

No campo político o pragmatismo e a sua busca por resultados imediatos tende a subordinar a concepção da ética. A ética não deve ser reduzida como a esfera específica onde se disputam posições; não deve ser limitada aos interesses em jogo. 

Compete à sociedade introduzir a perspectiva da universalização que ultrapasse os antagonismos da busca pelo poder e supere a sua dispersão da ética. Compete à sociedade afirmar aquilo que ela deve ser para além de suas fraturas. 

Os defensores da ordem vigente procuram desqualificar e até mesmo ridicularizar os contestadores utopistas. Com o tempo, muitos destes se rendem ao discurso “realista”. As necessidades políticas para a aquisição e manutenção do poder levam à prática de atitudes antes criticadas, mas agora legitimadas pelo “pragmatismo”.

É muito comum a crítica ao “utopismo” dos outros, sendo que o crítico coloca-se na posição do “realista”. Nesses casos, a crítica tende a ser pejorativa, ou mesmo feita com certa condescendência. De qualquer forma, o objetivo é caracterizar o outro como “irrealista”, “sonhador”, etc. Como escreve Mannheim:
“Os representantes de uma ordem dada irão rotular de utópicas todas as concepções de existência que do seu ponto-de-vista jamais poderão, por princípio, se realizar. De acordo com esta utilização, a conotação contemporânea do termo “utópico” é predominantemente a de uma ideia em princípio irrealizável. (...)Não obstante, os homens cujos pensamentos e sentimentos se acham vinculados a uma ordem de existência na qual detêm uma posição definida, manifestarão sempre a tendência a designar de absolutamente utópicas todas as ideias que tenham se mostrado irrealizáveis apenas no quadro da ordem em que eles próprios vivem.”.
Portanto, é imprescindível que a população não perca o seu poder de fiscalização, de controle, e de busca por uma sociedade mais justa e mais ética, ou como diz Mannheim:
“Com efeito, quanto mais ativamente um partido em ascensão colabora em uma coalizão parlamentar, tanto mais abandona seus impulsos utópicos originais e, com eles, sua perspectiva ampla, tanto mais seu poder para transformar a sociedade tenderá a ser absorvido por seus interesses em detalhes isolados e concretos. (...)”.

10 comentários:

  1. Assis, estava acostumado a ler no Fora de Pauta e no Clipping do Nassif tuas sugestões diariamente e agora não as encontro mais. Às 5 da manhã lá estava eu buscando as novidades através de ti e pensando que também acordavas cedo.
    Acho que você está dormindo demais, pois não tenho visto tuas contribuições.
    Gosto também de tuas opiniões que estão fazendo falta nos debates. Parece que a turma do AA está tomando o espaço...
    Copio o que você escreve na Procura para o meu fb também.
    Abraço e espero que tudo esteja bem.

    fog

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  2. Assis, não conhecia seu blog e gostei muito.
    Com calma farei um comentário com conteúdo.
    Um abraço.
    mARCIA/sALVADOR/BA

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  3. " Não importa quem entre (na política), todos vão roubar mesmo!" frase comum nas épocas de eleição, como está no texto, muito bem explicado, o pragmatismo acostuma e caleja a ética e moral dos cidadões, achando comum o "roubo" e se acostuma com a situação, não tendo nem a vontade de musar.

    Assim como a hipocrisia capitalista, estava vendo nas redes socias, muitas pessoas compartilhando mensagens e fotos criticanto Jorge Portugal por ter ganho 1,5 milhões para montar um aulão, agora me pergunto qual dos professores em greve negaria esse 1,5 milhões?!?! Ou melhor quem negaria?!?!

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  4. É preciso dizer que algumas foram o PIG quem disseminou como se fosse da esquerda. Não consta em qualquer decisão de congresso petista, por exemplo, de que quando chegasse ao poder todos iriam morrer de fome só ganhado o que nominalmente é possível, até porque esses salários foram impostos pela burguesia que tinham sempre extra para faturar.

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  5. Veremos quando essas utopias vão trazer patrocínio da petrobras, caixa, etc

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  6. Olá Assis! Bom saber que você tem este blog.
    Parabéns!
    Vou visitá-lo com frequencia.
    Convido também você a dar um passadinha pelo meu www.soniaranha.com.br
    Forte abraço

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  7. Prezado Assis,
    Cheguei até aqui através de um link seu em um post do Blog do Nassif, onde um comentário meu foi elevado a post e desencadeou um debate acalorado, acerca do nível dos comentários atuais. Não sei se recorda...
    Mas, obrigado pela intervenção generosa naquela ocasião. Bom saber desse seu espaço, pois os temas aqui abordados são de meu apreço.
    Forte abraço!
    Leandro A.

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  8. O uso da palavra utopia no sentido de “sonho impossível”, ao se discutir algumas questões, muitas vezes, pode escamotear a resistência àquilo que está sendo tratado. Assim, na verdade, não é que a pessoa considera impossível algo, mas sim que determinado aspecto da ideia colocada é inútil, pois, esta não seria tão importante ou seria, até mesmo, indesejável. Há então uma questão de valores envolvida nessa noção de utopia. Será que não há condições de se atingir a mudança,ou simplesmente ela não é desejável? Agora, se é desejável e até ideial porque não nos debruçarmos em discutir como podemos aumentar a probabilidade de concretizá-la?

    Mas há outro sentido para utopia, o sentido transformador, que, denota a ideia de crítica e recusa da realidade atual para, assim, buscar os caminhos para transformá-la. Nessa perspectiva, procura-se levantar os problemas e desafios da atual sociedade e, a partir disso, discutir os modos de lidar com eles.

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