terça-feira, 19 de junho de 2012

Neoliberalismo e a ética de mercado

A heteronomia a que Paulo Freire se opõe

As concepções de Paulo Freire me levam a pensar que hoje o neoliberalismo é algo que nega a autonomia, na medida em que promove uma crescente desigualdade social e, dessa forma, deixa a maioria das pessoas e nações em condições econômicas de pobreza. Situações de pobreza e miséria limitam a autonomia na medida em que restringem o poder de realizar.

Ainda, a ideologia neoliberal amacia a verdadeira realidade, promove modos de pensar massificados, o que nega a liberdade de cada qual pensar por si mesmo, negando assim, a autonomia. Paulo Freire (2000a, p. 142) dá alguns exemplos desse amaciamento ideológico: o desemprego que é considerado pelos neoliberais uma desgraça da época, o pragmatismo pedagógico que treina em vez de formar afirmando que os sonhos morreram e o importante é preparar para o mercado de trabalho, etc.

A globalização neoliberal é posta como uma evolução natural da economia, como se não houvesse outra opção, os países têm que se adaptar, independente das condições históricas com as quais o capitalismo se desenvolveu neles. Isso nega a autonomia das nações.

"O discurso da globalização que fala da ética esconde, porém, que a sua ética é a ética do mercado e não a ética universal do ser humano, pela qual devemos lutar bravamente se optamos, na verdade, por um mundo de gente" (idem, p. 144). Paulo Freire identifica uma "ditadura do mercado" (ibid) que impõe uma ética do lucro, bem diversa da ética universal defendida por ele.

"A liberdade de comércio não pode estar acima da liberdade do ser humano" (ibid, p. 146). Para que tenhamos um homem autônomo, a liberdade e a dignidade humana não podem ser desrespeitadas ou esquecidas em favor dos interesses de grupos econômicos.

Os neoliberais possuem um discurso pragmático que sugere a simples adaptação, em vez da intervenção.

[...] negando à prática educativa qualquer intenção desveladora, reduzem-na à pura transferência de conteúdos 'suficientes' para a vida feliz das gentes. Consideram feliz a vida que se vive na adaptação ao mundo sem raivas, sem protestos, sem sonhos de transformação. (FREIRE, 1995, p. 27). 
 
A visão de História contida nesse pensamento imobiliza, leva ao determinismo. Freire (2003a, p. 33-34) destaca duas dessas visões deterministas:

A primeira considera o futuro como pura repetição do presente, pensamento típico dos dominadores.

A segunda, o futuro é um pré-dado, uma espécie de sina, não é problemático, é inexorável, típico do povo que perdeu a esperança, a capacidade de sonhar. Esses pensares negam a História como possibilidade e negam o caráter criativo, criador, libertador da educação e a autonomia que os sujeitos devem conquistar por meio dela.

Para Freire (1995, p. 32), a perspectiva neoliberal procura reforçar a "pseudo-neutralidade da prática educativa, reduzindo-a a transferência de conteúdos", reduzindo a formação ao treino de técnicas e procedimentos. Considera toda prática educativa que vai além disso, que procura superar a dicotomia leitura do mundo/leitura da palavra, leitura do texto/leitura do contexto, como mera ideologia (cf. idem, p. 32-33). Ainda, a educação de caráter neoliberal procura promover o individualismo com um discurso que incentiva os alunos a subir na vida por si mesmos, a terem sucesso material e profissional, e assim ensina as pessoas a desistirem de seus direitos à autonomia e pensamento crítico (cf. FREIRE e SHOR, 1987, p. 150).

É o discurso da educação para a ética do mercado: bom é o mais forte. Essas concepções educacionais neoliberais mantêm e agravam uma situação social que nega a dignidade e limita a autonomia de grande parte da população mundial.

Pelo tecnicismo, o neoliberalismo reduz o homem a um simples objeto da técnica, em vez de autônomo transforma o ser humano em autômato. Sendo autômato, não tem determinação própria, é determinado por outro e assim, é heterônomo. "[...] o indivíduo cessa de ser ele mesmo; adota inteiramente o tipo de personalidade que lhe é oferecido pelos padrões culturais e, por conseguinte, torna-se exatamente como todos os demais são e como estes esperam que ele seja" (FROMM, 1977, p. 150). Transformando-se em autômato, vive na ilusão de que possui vontade própria, de que possui estilo, opiniões e sentimentos próprios.

O medo da liberdade e as dúvidas são substituídos pela ilusão de uma individualidade que possui sua segurança em uma autoridade externa. O autômato vive da ilusão da autonomia, mas na verdade é heterônomo.

Os tecnicistas, "Deformados pela acriticidade, não são capazes de ver o homem na sua totalidade, no seu querer-fazer-ação-reflexão, que sempre se dá no mundo e sobre ele" (FREIRE, 1981, p. 23).

É a racionalidade fria e calculista da civilização ocidental sobrepondo interesses egoístas e individualistas sobre os valores humanos e o bem estar comum. A civilização ocidental "Degenerada num projeto de mundo identificado com o des-amor da ganância fratricida, da posse, do lucro e da especulação financeira, conduziu a humanidade à beira da destruição total" (ANDREOLA, 2000, p. 24).

Penso que as configurações atuais do mundo ocidental são um alerta; o projeto neoliberal está negando às pessoas do mundo, a possibilidade de viver com mais dignidade e autonomia. Em vez disso, está levando o mundo à beira da autodestruição.

http://www.pucrs.br/edipucrs/online/autonomia/autonomia/3.7.html

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