quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Quem disse que mente não é corpo?

Jung superou seus antecessores ao mostrar que a evolução e a hereditariedade dão as linhas de ação para a psique, exatamente como fazem para o corpo

Quando criou o revolucionário conceito de inconsciente coletivo, o psicanalista e psiquiatra suíço Carl Gustav Jung conseguiu se emancipar das garras de um dos seus mentores, o austríaco Sigmund Freud. Apesar de sua inquestionável contribuição para a Psicanálise, creio que Freud pecou por dar excessiva importância à experiência, deixando pouco espaço para a hereditariedade e a evolução. Em outras palavras, é como se, ao desenvolver sua teoria, o pai da Psicanálise tivesse esquecido que a mente também era parte do corpo.
Aí é que entra a importância de Jung e o seu maior acerto. A psicologia analítica desenvolvida pelo suíço entrou para a história ao romper com a ideia de que o inconsciente era formado, sobretudo, pela repressão das experiências traumáticas da infância. Apesar de o próprio Freud ter modificado essa posição mais tarde, foi Jung que "rompeu com um determinismo da mente num sentido estritamente ambiental e demonstrou que a evolução e a hereditariedade dão as linhas de ação para a psique, exatamente como fazem para o corpo (HALL e NORDBY, 1993: 31)".
Mas, o que é, afinal, esse tal inconsciente coletivo concebido por Jung? Enquanto a consciência é a "seção" da mente conhecida diretamente pelo indivíduo e o inconsciente pessoal, o lugar da mente onde ficam guardadas as experiências rejeitadas pela consciência (ego), o inconsciente coletivo não tem origem nas nossas vivências diárias. Pelo contrário: são estruturas anteriores à nossa existência, que carregamos dos nossos ancestrais, estão no nosso material genético e, por isso, contêm estruturas universais a todo ser humano.
E por que digo que o desenvolvimento do inconsciente coletivo foi o maior acerto de Jung? Porque é justamente por meio dele que chegamos à compreensão da mente como parte do corpo, e não como uma estrutura estanque. Afinal, a mente, que por vezes parece um conceito demasiado abstrato, tem um correspondente físico: o cérebro. É por intermédio dele que o indivíduo herda características determinantes sobre a maneira como reagirá às experiências de vida.
"Desta maneira, o indivíduo está preso ao passado, não somente ao passado da sua infância, mas também, o que é ainda mais importante, ao passado da espécie, e, antes disso, à longa cadeia de evolução orgânica (Idem, ibidem)". Essa concepção, mais tarde incorporada por Freud, foi um marco que, ao meu ver, dotou a Psicanálise de maior credibilidade. Ora, se a teoria evolucionista cabe a todo o organismo, porque a mente e o seu correspondente físico ficariam de fora?
Ironicamente, é verdade, essa concepção parecerá mais determinista. Observando-a superficialmente, poderíamos chegar à ideia de que a linha junguiana conduziria à conclusão de ser impossível mudar o que já está posto. Um olhar mais cuidadoso, no entanto, mostraria justamente o contrário. Creio que o inconsciente coletivo e seus arquétipos (que podem ser um assunto para um outro encontro!) inclinaram os seguidores de Jung a uma psicanálise da aceitação, da adaptabilidade, muito mais que de uma terapia violenta, de autoflagelação.
Sim, é possível mudar, mas a partir do autoconhecimento, de um encontro consigo mesmo a fim de admitir sua própria natureza. Exatamente partir desse autoconhecimento, Jung sugere uma canalização dos fluxos de energia que nos atribulam a mente todo dia, toda hora, a cada instante. Afinal, a mente é dinâmica e, sem esse movimento, ela estacionaria, pararia de funcionar. É claro: a hora do repouso chegará para todos, mas apenas quando for a nossa vez. Não de chegarmos a um estágio de divina perfeição, mas o de nos tornar parte do passado.
Referência bibliográfica: Introdução à psicologia junguiana (1992-93), livro de Calvin S. Hall e Vernon J. Nordby

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