quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Se a solidão apavora, a solitude renova

Saiba por que entregar-se ao ciclo virtuoso que inclui autoconhecimento e melhoria da qualidade da relação com os outros.
Por Victor Longo_247

O renomado jornalista Mauro Santayama não estava errado quando disse que a educação para a vida deveria incluir aulas de solidão. É que o momento de estar a sós consigo mesmo é inevitável. Por escolha, por acaso ou por força das circunstâncias, sempre vamos nos perceber sozinhos em alguma situação, ainda que, ao mesmo tempo, estejamos rodeados de outras pessoas. Por mais trágico e pessimista que isso pareça, esses momentos têm uma importante função: um encontro consigo mesmo em busca do desejável autoconhecimento.

Talvez sobre isso tenha pensado o imortal José Saramago quando escreveu um dos seus contos mais famosos, intitulado A ilha desconhecida – aquela que parte em busca de si mesma, em uma viagem sem fim. "Se tivesse fim, não teria graça", diz o lugar comum, o qual guarda (sim!) um quê de genialidade. Mas mesmo sem fim, essa busca tem sentido prático
.
"Só podemos ser verdadeiros no encontro com o outro se nos dermos à oportunidade de ter encontros com nós mesmos", considera a psicoterapeuta Lícia Mariani, do Instituto Ananda, localizado em Salvador-BA.  E vai além. Ela explica que a necessidade de se encontrar consigo é inerente ao ser humano e, se respeitada, gera um ciclo virtuoso. "Ao se doar aos momentos de reflexão, o indivíduo melhora a qualidade do encontro com seus pares", assegura Mariani, que segue a linha humanista transpessoal da psicologia.

Solidão ou solitude?
Sabe aquele momento em que decidimos bater em retirada, fechar para balanço? A solitude é justamente o estar só por opção, dar-se à reclusão por escolha. Mesmo quando esse isolamento não é propriamente voluntário, ele não está associado ao sofrimento. É justamente neste ponto que a solitude se diferencia da solidão, um estado que inclui o sofrimento – ou seja, o prolongamento e o predomínio da dor. "A dor existe e sempre teremos de enfrentá-la, mas o sofrimento é diferente; sofrer é remoer, deixando que a dor perdure por mais tempo do que é necessário, o que pode desencadear um processo de depressão. A solidão, sim, é lugar de sofrimento", detalha a psicoterapeuta Lícia Mariani.

Enquanto a solidão, por um lado, é o caminho para o sofrimento, os momentos de solitude, pelo contrário, são úteis no sentido de superar a dor. Em outras palavras, aquele que se autoconhece e se aceita tem condições muito melhores de não se apegar à dor e não cultivar o sofrimento. Explicações dadas, peço a devida licença para sugerir ao colega Santayama uma correção meramente teórica: a educação para a vida deveria incluir, sim, aulas de solitude.

Cuidado com o isolamento
Se, por um lado, dar-se um tempo e viajar em busca de si mesmo é fundamental, o ideal é evitar os extremos. "A pessoa que se retira e sempre prefere os livros, por exemplo, aos amigos e familiares, tem que ter cuidado; o isolamento exagerado é passível de investigação", pondera a psicóloga e psicanalista Ângela Luna, do espaço Clicop. Ela lembra que todos somos seres sociais e que, portanto, não devemos menosprezar a importância de cultivar laços.

Um exemplo do outro extremo é o indivíduo que sai de um relacionamento amoroso para outro, sucessivamente, sem dar-se o tempo de solitude. "Isso é típico do jovem desta geração, que não aprendeu a se frustrar. Ao emendar um relacionamento com o outro, sem dar-se tempo para o luto, ele acaba se violentando e não dá espaço para a autocompreensão", considera a especialista.

Olhos dos outros
A provável consequência daquele que não se dedica ao autoconhecimento é viver em função dos olhos dos outros. "Você acaba perdido, vivendo de acordo com o que os outros veem em você, sem levar em consideração o que você é", explica Lícia Mariani. Para ela, esse é um caminho insustentável e frustrante, já que "ninguém supre completamente as expectativas alheias".

É verdade que todos precisamos cumprir metas e corresponder a expectativas, afinal, somos todos seres de contato, essencialmente sociais. Não é fácil encontrar o equilibro entre uma coisa e outra, e tampouco há fórmulas. Quem entende do assunto, porém, garante: permitir-se a pequenas viagens análogas à d'A Ilha Desconhecida, de José Saramago, é um caminho mais eficaz para ser verdadeiro e, consequentemente, aceito por si mesmo e pelos outros.

*Victor Longo é jornalista e editor de Bahia 247

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