terça-feira, 2 de agosto de 2011

Fraldas e Celulares

O que acontece comigo é que não consigo andar pelo mundo pegando coisas e trocando-as pelo modelo seguinte só por que alguém adicionou uma nova função ou a diminuiu um pouco…
Não faz muito, com minha mulher, lavávamos as fraldas dos filhos, pendurávamos na corda junto com outras roupinhas, passávamos, dobrávamos e as reparávamos para que voltassem a serem sujadas. 
E eles, nossos nenês, apenas cresceram e tiveram seus próprios filhos e se encarregaram de atirar tudo fora, incluindo as fraldas.
Se entregaram, inescrupulosamente, às descartáveis!
O mais provável é que o de agora esteja bem, isto não discuto.

O que acontece é que não consigo trocar os instrumentos musicais uma vez por ano, o celular a cada três meses ou o monitor do computador por todas as novidades.
É que venho de um tempo em que as coisas eram compradas para toda a vida!
É mais! Se compravam para a vida dos que vinham depois! A gente herdava relógios de parede, jogos de copas, vasilhas e até bacias de louça.
Nos estão incomodando! Eu descobri! Fazem de propósito! Tudo se lasca, se gasta, se oxida, se quebra ou se consome em pouco tempo para que possamos trocar.
Nada se arruma. O obsoleto é de fábrica. Onde estão os sapateiros fazendo meia-solas dos tênis Nike?
Tudo se joga fora, tudo se descarta e, entretanto, produzimos mais e mais e mais lixo. Outro dia, li que se produziu mais lixo nos últimos 40 anos que em toda a história da humanidade.
Quem tem menos de 30 aos não vai acreditar: quando eu era pequeno, pela minha casa não passava o caminhão que recolhe o lixo! Eu juro!
Todos os descartáveis eram orgânicos e iam parar no galinheiro, aos patos, às galinhas ou aos coelhos (e não estou falando do século XVII).
Os poucos descartáveis que não eram comidos pelos animais, serviam de adubo ou se queimava..
Desse tempo venho eu.  E não que tenha sido melhor....
É que não é fácil para uma pobre pessoa, que educaram com "guarde e guarde que alguma vez pode servir para alguma coisa", mudar para o "compre e jogue fora que já vem um novo modelo".
E precisamos viver endividados, eternamente, para pagar o novo!!!

Minha cabeça não resiste tanto. Agora, meus parentes e os filhos de meus amigos não só trocam de celular uma vez por semana, como, além disto, trocam o número, o endereço eletrônico e, até, o endereço real.
E a mim que me prepararam para viver com o mesmo número, a mesma mulher, a mesma e o mesmo nome (e vá que era um nome para trocar).
Como querem que entenda a essa gente que se descarta de seu celular a poucos meses de o comprar? Será que quando as coisas são conseguidas tão facilmente, não se valorizam e se tornam descartáveis com a mesma facilidade com que foram conseguidas?
Eu sei o que nos acontecia: nos custava muito declarar a morte de nossos objetos.
Assim como hoje as novas gerações decidem matá-los tão logo aparentem deixar de
ser úteis, aqueles tempos eram de não se declarar nada morto: nem a Walt Disney!!!
E me mordo para não fazer um paralelo entre os valores que se descartam e os que preservávamos. Ah!!! Não vou fazer!!! 
Morro por dizer que hoje não só os eletrodomésticos são descartáveis; também o matrimônio e até a amizade são descartáveis. Mas não cometerei a imprudência de comparar objetos com pessoas.
Me mordo para não falar da identidade que se vai perdendo, da memória coletiva que se vai descartando, do passado efêmero. Não vou fazer.
Não vou dizer que aos velhos se declara a morte apenas começam a falhar em suas funções, que aos cônjuges se trocam por modelos mais novos, que as pessoas a que lhes falta alguma função se discrimina o que se valoriza aos mais bonitos, com brilhos, com brilhantina no cabelo e glamour. 
Esta só é uma crônica que fala de fraldas e de celulares. Do contrário, se misturariam as coisas, teria que pensar seriamente em entregar à bruxa, como parte do pagamento de uma senhora com menos quilômetros e alguma função nova. Mas, como sou lento para transitar este mundo da reposição e corro o risco de que a bruxa me ganhe a mão e seja eu o entregue... 
 
Eduardo Galeano
Jornalista e Escritor Uruguaio 

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