Por trás da atual crise econômico-financeira vige uma crise de paradigma civilizatório.
Este tipo de cultura se estrutura na vontade de poder-dominação do  sujeito pessoal e coletivo sobre os outros, sobre os povos, sobre a natureza...
Sua  arma maior é uma forma de racionalidade, a instrumental - analítica, que  compartimenta a realidade para melhor conhecê-la e assim mais facilmente  submetê-la. Depois de quinhentos anos de exercício desta racionalidade,  com os inegáveis benefícos trazidos e que encontrou na economia  política capitalista sua realização mais cabal, estamos constatando o  alto preço que nos cobrou: o aquecimento global induzido, em grande  parte, pelo industrialismo ilimitado e a ameaça de uma catástrofe  previsível ecológica e humanitária.
Estimo que todos os esforços que se fizerem dentro deste paradigma para  melhorar a situação serão insuficientes. Serão sempre mais do mesmo.  Temos que mudar para não perecer. É o momento de inspirar-nos em outras  civilizações que ensaiaram um modo mais benevolente de habitar o  planeta. O que foi bom ontem, pode valer ainda hoje.
Tomo como uma das referências possíveis o zenbudismo. Primerio, porque  ele influenciou todo o Oriente. Nascido na India, passou à China e  chegou ao Japão. Depois porque penetrou vastamente em estratos  importantes do Ocidente e de todo o mundo. O Zen não é uma religião. É  uma sabedoria, uma maneira de se relacionar com todas as coisas de tal  forma que se busca sempre a justa medida, a superação dos dualismos e a  sintonia com o Todo.
A primeira coisa que o zenbudismo faz, é destronar o ser humano de sua  pretensa centralidade, especialmente do eu, cerne básico do  individualismo ocidental. Ele nunca está separado da natureza, é parte  do Todo. Em seguida, procura uma razão mais alta que está para além da  razão convencional. Recusa-se a tratar a realidade com conceitos e  fórmulas. Concentra-se com a maior atenção possível na experiência  direta da realidade assim como a encontra. 
“Que é o zen” perguntou um discípulo ao mestre. E este respondeu: “as  coisas cotidianas; quando tem fome, coma, quando tem sono durma”. “Mas  não fazem isso todos os seres humanos normais”?- atalhou o discípulo.  “Sim”- respondeu o mestre - “os seres humanos normais quando comem  pensam em outra coisa, quando dormem, não pregam o olho porque estão  cheios de preocupações”. Que significa esta resposta? Significa que  devemos ser totalmente inteiros no ato de comer e totalmente entregues  ao ato de dormir. Como já dizia a mística cristã Santa Tereza:”quando  galinhas, galinhas, quando jejum, jejum”. Essa é a atitude zen. Ela  começa por fazer com extrema atenção as coisas mais cotidianas, como  respirar, andar e limpar um prato. Então não há mais dualidade: você é  inteiro naquilo que faz. Por isso, obedece à lógica secreta da realidade  sem a pretenção de interferir nela. Acolhê-la com o máximo de atenção  nos torna integrados porque não nos distraimos com representações e  palavras.
Essa atitude faltou ao Ocidente globalizado. Estamos sempre impondo  nossa lógica à lógica das coisas. Queremos dominar. E chega um momento  em que elas se rebelam, como estamos constatando atualmente. Se queremos  que a natureza nos seja útil, então devemos obedecer a ela.
Não deixaremos de produzir e de fazer ciência, mas o faremos como a  máxima consciência e em sintonia com o ritmo da natureza. Orientais,  ocidentais, cristãos e budistas podem usar o zen da mesma forma que  peixes grandes e pequenos podem morar no mesmo oceano.  Eis uma outra  forma  de viver que pode enriquecer nossa cultura em crise.
 
 
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