Mensalão. Um processo que mudou conceitos e desnudou a
fragilidade da justiça.
É comum a afirmação de que a AP 470 irá mudar o marco da
justiça. Fico a me perguntar qual marco?
Para quem acompanhou todo o processo, inclusive a academia,
ficou a sensação de que nada se sabe, e a nítida impressão que o STF estava perdido
nos conceitos de raiz, nos princípios fundamentais do direito e da própria
democracia.
Desde o seu inicio, ainda na fase preliminar, que a
divergência entre pontos basilares, -os princípios elementares -, do direito
estão sendo postos em debates como se os nossos mais altos juízes tentassem
redescobrir a própria essência do direito.
Foram muitos os momentos em que os nossos ministros se
dividiram quando a esses princípios primordiais e universais, como o amplo
direito de defesa, o instituto universal da dúvida a favor do réu, o momento do
crime, a conceituação do que são provas e indícios de provas, e mesmo a
indicação do juízo competente, entre tantos outros.
Foi assim que os nossos ministros não conseguiram se
entender quanto ao desmembramento do processo, aceitaram frágeis indícios de
provas como elemento probatório suficiente para condenações, tiveram sérias
divergências quanto ao momento do crime de corrupção.
O princípio do direito penal mínimo que o mundo jurídico
universal tanto preza foi jogado no lixo com a constatação da irresistível
corrente condenatória. Os ministros optaram por um retrocesso em que se
atropelaram princípios constitucionais construídos ao longo dos últimos anos.
Foi observado que ministros tidos como os mais garantistas do
STF, como Marco Aurélio Mello, Gilmar Mendes e Celso de Mello, tolheram a única
chance dos réus em dirimir dúvidas da própria corte amplamente representadas
pela grande divergência e mesmo no reconhecimento de erros que fizeram o STF
modificar algumas condenações.
Essas modificações de decisões em Embargos Declaratórios
tiveram efeito infringente, então por que estão a negar a aceitação dos
Embargos Infringentes?
A resposta só é apenas uma. O medo que as penas sejam
diminuídas e que os réus não saiam algemados para o deleite da mídia.
Tiveram sérias dificuldades em estabelecer quais réus
estariam em função de exercício de função aptos a serem julgados pelo STF e
aceitaram os quarenta réus.
Essa situação de se julgar quarenta réus em um mesmo
processo por si só deveria indicar que a análise de tantos e a apreciação de
muitos juízes do colegiado demandaria enorme tempo; e é isso que alguns deles
agora apelam para dar fim no processo.
Estabelecer logo no início dos trabalhos a conotação
política do que viria a acontecer em todas as fases do processo, ficou
demonstrada pelo próprio Presidente do STF à época, Carlos Ayres Britto, quando
tratou o mensalão como um plano do PT para se perpetuar no poder, chamando-o
de"golpe", que era "um projeto de poder que vai muito além de um
quadriênio quadruplicado".
Este princípio adivinhatório foi de uma irresponsabilidade
que maculou toda a AP 470, ao mesmo tempo em que demonstrou a ignorância do
ex-ministro ao ter “esquecido” que a busca do poder se dá nas alianças pré-eleitorais
pactuadas nas campanhas.
Este julgamento e a tecnicidade atípica aplicada já marcaram
negativamente o STF no meio acadêmico e na sociedade.
Inúmeros artigos de vários juristas renomados criticando o
julgamento já circulam nos diversos meios.
Vários conceitos e princípios aplicados na AP 470 não serão
reutilizados no futuro, nem mesmo pelo STF, e ficará definitivamente figurado
que se tratou de um juízo de exceção.
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