domingo, 25 de fevereiro de 2024

Bauman examina crise da internet e da política

Redes sociais criaram redomas de pensamento único. Democracia é devastada por poderes globais. Há saídas, mas vivemos a “hora mórbida”

Zigmunt Bauman, entrevistado por Alessandro Gilioli, no L’espresso | 
Tradução: Antonio Martins

Zygmunt Bauman, o grande sociólogo teórico da “sociedade líquida” tem dedicado parte de suas reflexões recentes à internet – em particular, às redes sociais, acusadas de criar redes afetivas na verdade inexistentes. 

Professor Bauman, a sua crítica à internet é existencialista?

(...) a maior parte das pessoas usa a internet não para abrir a própria visão mas para fechar-se dentro de cercados, para construir “zonas de conforto”. 
(...) onde as pessoas vivem num tipo de mundo imaginário, sem controvérsias, sem conflitos, sem se expor às diferenças.

É claro que, graças à rede, pode-se hoje convencer as pessoas a ir às ruas manifestar-se contra qualquer coisa ou qualquer um, mas a incidência sobre o real destas mobilizações nascidas nas “zonas de conforto” é outro assunto. 

(...) segundo o senhor, não há uma relação entre a difusão da internet e os protestos anti-sistema?

Sim, há, mas a internet não é a causa, é só um veículo.  As causas dos partidos anti-sistema relacionam-se, na verdade, com a crise de confiança na democracia. 

(...), hoje os governos estão sob dupla pressão. 

De um lado, devem responder aos eleitores, que reivindicam dos políticos realizar o que prometeram; 

de outro, a realidade global interdependentes – os mercados as bolsas, a finança e outros poderes jamais eleitos por ninguém – impedem que estas promessas sejam mantidas. 

A crise de confiança nasce desta dupla pressão. Sentimos todos que agora as democracias não mais funcionam, mas não sabemos como ajustá-las ou com o quê substituí-las.

É disso que nascem os movimentos anti-sistema?

Diria, melhor, que é disso que nascem os sentimentos anti-sistema. 

As pessoas compartilham reações emotivas nas redes sociais e às vezes organizam-se, a partir dali, para ir às ruas e protestar. 

Gritam todas os mesmos slogans, mas na verdade têm interesses diversos e expectativas difusas. Depois, voltam para casa contentes pela fraternidade com os demais que se criou, mas é uma solidariedade falsa. 

Chamo-a de “solidariedade carnaval”, porque me lembra aqueles eventos nos quais, por quatro ou cinco dias, coloca-se a máscara, canta-se e dança-se junto, fugindo por um tempo limitado da ordem das coisas. 

Estes protestos permitem a explosão coletiva de problemas diversos, e de demandas individuais, por um lapso breve de tempo, como no carnaval – mas a raiva não se transforma em mudança compartilhada.

Alguns partidos, que ao menos canalizam estes sentimentos, são muito distintos entre si. Que pensa a respeito?

Também estes partidos encontram-se diante da crise da democracia da qual falávamos. 

E a esta crise respondem tanto os que buscam reforçar a democracia quanto os que propõem, em vez disso, um “homem forte”, ou qualquer forma de fundamentalismo político-religioso. 

De resto, se as democracias não são capazes de realizar as expectativas, não surpreende que se busque alguém a quem atribuir uma função salvadora, o homem “de pulso” que parece capaz de realizar o que as democracias não sabem cumprir.

Um exemplo recente é Donald Trump: hoje, muitos eleitores norte-americanos seduzem-se por quem ataca as instituições democráticas e zomba de sua representação. 

Esta ruptura de confiança na democracia explica também a característica “populista” que tem sido atribuída aos movimentos anti-sistema? O senhor está de acordo com esta definição?

“Populistas”, na política, são sempre os outros, os adversários. 

Na verdade, qualquer bom partido deveria ser “populista” – ou seja, escutar o que pensam e o que pedem as pessoas comuns, os cidadãos. 

No entanto, no debate político a palavra é usada em sentido pejorativo. Não me preocupa a suposta ameaça do “populismo”, mas a possível resposta autoritária à crise da democracia.

Mas por que em alguns países, como na França, o protesto anti-sistema derivou à direita e em outros, como a Espanha, à esquerda?

Porque estamos num interregno, para citar Gramsci. Ele dizia que “se o velho morre e o novo não nasce, neste interregno ocorrem os fenômenos mórbidos mais diversos”. Hoje, os velhos instrumentos não funcionam mais; mas os novos ainda não existem. 

Direita e esquerda eram conceitos plenos de significado há poucas décadas, mas são muito menos na complexidade policêntrica do presente.

Em que consiste esta complexidade policêntrica?

Depois da queda do Muro de Berlim, alguns pensadores levantaram a hipótese do fim da História, do fim dos conflitos políticos, no interior de um sistema liberal-capitalista pacífico e definitivo.

Erraram. O planeta está muito mais dividido e conflituoso que antes, cheio de choques locais mais difíceis de compreender, se comparados com os que ocorriam entre os dois blocos. 

Antes, o confronto era entre conservadores e progressistas, entre quem queria uma sociedade baseada no lucro e quem a queria assentada na cooperação. Hoje, os conflitos são até maiores, mas menos simples e menos puros.

(...)  muitos políticos herdeiros da esquerda apavoram-se com a ideia de irritar as bolsas, os mercados, a finança – em suma, os poderes que podem colocar um país de pernas para o ar em um dia. 

Por isso, mudam de tema. Por exemplo, autodefinem-se de esquerda os políticos favoráveis ao casamento homossexual. Bonito, justo, de acordo, mas o que tem a ver com o significado de esquerda? O que tem a ver com a justiça social, que era a razão de ser da esquerda.

Matéria completa:
1/03/2016

http://outraspalavras.net/capa/bauman-examina-crise-da-internet-e-da-politica

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