“O discurso contra o politicamente correto é uma retórica que inviabiliza o debate democrático”, Moira Weigel.
Há expressões que aparecem de forma tão frequente no nosso dia a dia que as tratamos como se fossem verdades autoevidentes, sem nunca nos perguntarmos por que elas assumiram determinados significados nem desde quando são utilizadas. Moira Weigel (Nova York, 1984), pesquisadora associada da Universidade de Harvard, debruçou-se sobre duas palavras que, embora recorrentes há anos no léxico norte-americano, ganharam especial relevância desde a meteórica ascensão de Donald Trump à Casa Branca: politicamente correto. Afinal, como é possível que uma figura pública se refira a mexicanos como "estupradores" e, diante da indignação coletiva, se esquive argumentando que os seus adversários são politicamente corretos demais? Ou, num contexto mais próximo ao brasileiro, um parlamentar que, depois de afirmar que não estupraria uma deputada "porque ela não merece", se defenda da reação acusando seus opositores de o perseguirem numa cruzada em nome do politicamente correto?
Em Um álibi para o Autoritarismo, artigo publicado na última edição da Serrote, a revista de ensaios do Instituto Moreira Salles (IMS), a pesquisadora de Harvard detalha como a linguagem é parte fundamental da conexão que Trump estabeleceu com seus seguidores. O mandatário americano, diz Weigel, recebe apoios justamente por dizer coisas "ultrajantes", consideradas inapropriadas pelas convenções que estabelecem os limites do debate público. Cria empatia com parte expressiva da população porque "diz o que pensa" e por denunciar uma suposta conspiração de liberais com a imprensa, que teria o escuso objetivo de controlar inclusive as palavras que as pessoas comuns usam.
Não escapa a um brasileiro que leia o texto de Weigel a memória das explosivas declarações de Jair Bolsonaro, candidato à presidência da República, que, mesmo após sofrer um ataque a faca, não se furta de seguir beligerante e sair em fotos simulando ter uma arma nas mãos. Na verdade, mesmo sem encontrar uma única citação ao capitão reformado do Exército no ensaio, cuja versão original foi publicada em 2016 no jornal britânico The Guardian, a associação é quase automática.
— "Sou preconceituoso, com muito orgulho." (Bolsonaro em entrevista à revista Época, em 2011)
— “O filho começa a ficar assim, meio gayzinho, leva um couro e muda o comportamento dele." (Bolsonaro em debate na TV Câmara, em 2010)
— “Não te estupro porque você não merece.” (Bolsonaro para a deputada Maria do Rosário, em 2014)
A partir da gênese do termo, e de como ele foi apropriado por movimentos da extrema direita norte americana nas últimas décadas, Weigel revela que o politicamente correto (ou, para ser mais exato, a crítica aos que são politicamente corretos demais) pode ser usado por uma liderança para se justificar por declarações tão ofensivas como as listadas acima. O poder vai mais além, alega a pesquisadora: ser antipoliticamente correto transformou-se numa arma eficaz para um político conectar-se com o seu eleitorado. De repente, ele passa a ser alguém que "não tem medo de dizer a verdade", mesmo que essa "verdade" seja um ataque aos direitos de mulheres ou homossexuais, para citar dois exemplos. "O discurso antipoliticamente correto ecoa nos Estados Unidos entre um público que havia sido informado durante décadas de que era inaceitável ser abertamente racista ou misógino. Então, os ataques ao politicamente correto tornaram-se uma forma de expressar antigas formas de sexismo e de racismo, sem que as pessoas sintam vergonha por dizer essas coisas", diz a pesquisadora em entrevista ao EL PAÍS.
de Ricardo Della Coletta, brasil.elpais.com
8 de Setembro de 2018
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https://brasil.elpais.com/brasil/2018/08/20/politica/1534788456_384604.html
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