Trecho do livro “Geração em Transe” de Luiz Carlos Maciel. ISBN 85-209-0763-6, págs. 270 e segs.
A característica fundamental da Contracultura é ser a expressão de uma visão juvenil, foram nos jovens que inventaram a contracultura (e fenômenos afins, como o tropicalismo) e, portanto a rejeição a ela pela maturidade é inevitável.
A história da cultura do ocidente é marcada pela visão juvenil, seus momentos mais inovadores e radicais foram responsabilidade dos mais jovens. Nossa cultura é marcada pelo arquétipo do jovem rebelde, um culto tão poderoso quarto a sua antítese, o respeito oriental pelos mais velhos.
Por outro lado, a visão característica básica da visão madura é a necessidade de organização.
Um mundo organizado pela visão madura, manifesta em toda espécie de leis e regulamentos, deve sofrer periodicamente as fraturas criadas pela visão juvenil. Trata – se da condição de equilíbrio mínimo, capaz de insuflar a renovação num mundo dominado pela rigidez da ordem.
Ainda que perigosa, a anarquia juvenil, ao contrário, é vitalizadora. Movimentos culturais tipicamente dominados por jovens, como os surgidos na era áurea do “Poder Jovem”, os anos sessenta, como a Contracultura e o Tropicalismo, são exemplos típicos da visão juvenil.
O tempo que opera a visão juvenil é a eternidade, o que gera uma confiança cega no futuro. O jovem é jovem para sempre – e isso escandaliza a visão madura, assediada pela consciência da morte.
A principal função social da visão juvenil é a de gerar antídotos contra os venenos propiciados pela visão madura e seus apegos característicos. Pode – se dizer, portanto, que a vida que a vida é renovada através da insensatez.
O centro vital da Contracultura era a experiência da expansão da consciência. A mente se expande, a realidade se amplia. Não se trata mais de uma cisão esquizofrênica que abandona o corpo para tratar da alma, mas simplesmente perceber que corpo e alma são muito mais do que pensam tanto materialistas quanto espiritualistas.
Tal avanço foi de espantar todo mundo; os mais conservadores, em especial, inclusive da esquerda, ficaram assustados. Colocar o real como um todo, de maneira tão radical, era de uma audácia intolerável.
A reação procurou responder a ousadia à altura, procurando deter o avanço da consciência em todos os níveis.
Em primeiro lugar, a expansão da consciência tinha que ser sustada, antes que a adesão e o consenso acumulassem poder suficiente para fazer desmoronar, a nível coletivo, o pretenso mundo objetivo, ou seja, a nossa realidade habitual.
A liberdade de consciência é a verdadeira fonte de todo poder realmente revolucionário.
Sim, as ousadias da época tiveram que ser anuladas, ou eliminadas, ou, pelo menos, distorcidas para que o mundo continuasse a ser o que era e “os mesmos patifes de sempre continuassem a mandar em tudo”, conforme disse John Lennon, ao declarar o fim do sonho. Para isso, os meios de anulação, eliminação e distorção foram aperfeiçoados e refinados. A redução do milagre da consciência a um fenômeno material, físico, químico, ou biológico, na cega tentativa de negar o mistério, exemplifica bem, a nível acadêmico, essa tentativa, tão ampla quanto refinada, de manter o “status quo” espiritual de nossa cultura.
Hoje, as manifestações juvenis de nosso passado recente, depois de domadas, assimiladas e distorcidas pelo sistema, foram substituídas por um fetiche abstrato e bastante ridículo que é o jovem tal como é definido pelas agências de publicidade, delineado pelas pesquisas de opinião, incensado pela mídia, tomado por paradigma de eficiência empresarial (o tal do Yuppie) e, o que é pior de tudo, imposto como modelo aos ainda mais jovens, ou seja, nossas crianças. Esse “jovem” é o que, no meu tempo, chamávamos de alienado e, depois, de careta. Trata – se de uma domesticação dos instintos naturais da juventude em função dos interesses do sistema.